Friday, January 30, 2015

Dia 149 - 2 Janeiro - Caravelas Portuguesas

Acordei às 5h48 com o som agitado das ondas. Havia já luz no quarto e fui espreitar pela janela. Mesmo quando nasce, o sol ilumina este mundo com um dourado de encandear. Forma um caminho cintilante pelo mar... like the yellow brick road to the Wizard of Oz...




Voltei a deitar-me e fui acordando de hora em hora, mais ou menos, uma vezes por haver mais luz, outras com vozes de pessoas, às vezes com calor, outras com frio... mas a preguiça é tanta que não me apetece levantar mesmo. Até que, por motivos fisiológicos, todos somos obrigados a levantar de manhã para vazar aquele balão que enche, a conta-gotas. Há quem se levante, tipo zombie, de madrugada para o despejar. Pessoalmente, não me levanto de madrugada para isso, nem às 5h48 arrumei esse assunto. Só quando estava mesmo a “rebentar as águas” é que me arrastei para fora da cama.
Nesta altura demos conta de que havia muitos chineses a desfrutar do nosso alpendre. E não se calam! São tão “mecanizados” a falar que parecem matracas a digitar palavras na máquina de escrever. Não são melódicos como os Franceses ou energéticos cantaroleiros como os Italianos. Nem mesmo “formigas trabalhadoras” como os Espanhóis ou modelos de passerelle como os Ingleses. Até os Alemães, que são tão tanques de guerra em luta de boxe, têm mais encanto pela naturalidade.
Mas não duraram muito tempo porque lhes foram dizer que as casas estavam alugadas e era uma falta de respeito estarem ali, e acho muito bem. Num hotel também não vou acampar para a porta dos vizinhos.

Fomos tomar um cafezinho rápido e viemos, quase que a correr, deixar as coisas na cubata e correr para o mar só de chinelos e bikini. Levámos apenas uma toalha para os dois e não havia nada que nos impedisse de mergulhar nesta água cálida que chama por nós a cada gota que se desfaz na areia. Bem podes fazer a fita do “está fria” porque nem para ti cola! Eu deixei-me ficar à entrada, com os pés de molho, por dois minutos... tive de entrar porque já estavam a ficar quentes! E, lá dentro, é tão fácil esquecer as horas... Ficámos mais de uma hora de molho e só saímos por acharmos que estaria na hora de almoço. Coisa social essa que nos “corta o barato”... Afinal ainda faltava algum tempo pois os sogrinhos tinham pedido para assar um peixorro de 3kg para o almoço de nós quatro. Deu tempo para secar, comer qualquer coisa, tomar banho de água doce, arrumar e limpar o quarto - já vos disse que viver na praia dá muito trabalho?! Aproveitei também para tirar umas fotografias desta vida tão difícil...





Aproveitei para comer umas lichias e partilhar convosco...







Agora estou, sentada no degrau, de portátil no colo, de frente para o mar, de cabelo ao vento a sentir a brisa suave na pele... As ondas começam a encher a praia pelo som e pela maré que vai subindo. Os diferentes tons de azul sobressaem mais agora. Os locais começam a chegar à praia com geleiras e trouxas de capulana para almoçarem. E nós também vamos almoçar agora.

O peixe era delicioso! Chama-se peixe manteiga. A carne é macia, perfeitamente branca e suculenta. Veio a acompanhar com batatas fritas e a salada de repolho que fazem aqui tão bem. Pedimos um vinho verde bem fresco que deslizou perfeitamente com esta refeição. Para rematar pedimos cafés e eu acrescentei ainda um copo com gelo, adivinhem para que foi... Pouco bom, sim!
Tivemos companhia ao almoço de alguém que já cá está há alguns anos. Pessoa que fez uma grande aventura (para nós). Veio a pé desde o batelão até ao mar e percorreu todos os outros lodges. Sempre a pé! Maluquice! Por entre outras conversas veio à baila a fauna da costa... acrescentou logo que só hoje viu logo dois tubarões aqui na costa, “mas eram pequeninos”. Pequeninos ou não... !!! Tubarão!!! E eu que andei doida varrida a saltar e a pular pelas ondas... E... e... eles andem aí?! O meu coração disparou quando ouvi isto. Ainda continuaram a dizer que também havia Caravela Portuguesa, ou seja, aquelas minúsculas alforrecas com tentáculos compridos e um veneno horroroso que faz doer cada nervo do corpo... Não sei se tenho mais medo do tubarão “bebé” se da Caravela venenosa. Prefiro nem pensar muito nisso para não provocar qualquer tipo de atração...


Quando voltámos para o quarto sentámos cá fora, ou meio fora, já que eu fico no degrau. A praia está cheia de gente. Temos até pessoal no nosso alpendre, de novo. São menos que os chineses todos juntos, mas fazem barulho na mesma e trazem vinho para começar o dia... Tiram fotografias a tudo, posam de todas as formas possíveis e imagináveis. Parecem autênticas crianças a espetar e a torcer tudo o que o corpo consegue aguentar, até faz confusão. O vento sopra bem mais forte agora e o mar está bravo que nem touro enfurecido. Os grupos aqui à volta são um pouco mais calmos e tentam meter conversa connosco, mas não podemos dar grande conversa nem confiança porque depois não “largam o osso” e nós queremos ter espaço e paz. Não é por mal, mas quando não temos conversa com as pessoas, fica aquele ambiente desconfortável de quem não tem nada para dizer e passa o tempo em silêncio a tentar magicar alguma coisa menos absurda para desbloquear a conversa. É aqui que faz todo o sentido, qualquer ideia absurda, que a Rádio Comercial inventa nos sketches de Desbloqueadores de Conversas. Por muito absurdo que nos pareça, aqui seria perfeito!

Estamos ainda cheios mas apetece ir dar um passeio para encontrar silêncio e paz. E fomos! Sem blusa, apenas com um calção, óculos de sol e chave de casa. Começámos a nossa caminhada em direcção ao mar. Seguimos pelo lado direito da costa e começámos por ver uns fios azuis agarrados a umas bolhinhas de ar transparentes... são as Caravelas Portuguesas! Mas tantas que estão na costa! Ao longo de todo o passeio tivemos de andar sempre com algum cuidado para não as pisar. Achei piada a um búzio roxo e peguei nele. Tinha uma espécie de espuma a sair, mas era consistente, devia ser o bicho. Estava morto, claro. Mas, ainda assim, peguei num pausinho e tentei tirá-lo. Foi quando começou a jorrar um líquido da mesma cor e começou a escorrer-me pelos dedos. O que achei estranho visto que o bicho era completamente transparente. Larguei-o e fui lavar as mãos. Não sei se me vai fazer comichão ou alergia. Mas, mesmo depois de lavar, fiquei com os dedos manchados! Ficou o percurso do líquido ao escorrer. Já chegámos há meia hora e continua a cor roxa! Mas não me fez mal... até agora.

Com o que mais delirei foi mesmo com a quantidade de caranguejos a sair dos buracos na areia em direcção ao mar, para se banharem e, provavelmente, procurarem alimento. São imensos, do tamanho de caixas duras de óculos de sol. Correm desenfreadamente para as ondas, antes de as sentirem param e esperam que elas os apanhem. Depois de levarem com a onda em cima, eles enterram-se e, ainda esta onda está a voltar ao mar, já eles correm para a próxima. Divertem-se ali e eu a vê-los. Parece um namoro... Começam por fazer olhinhos e vão, apaixonadamente, de encontro ao grande amor! Depois, fazem a dança do “quero mas não sou fácil de apanhar”, e aguardam. Quando conquistam o grande amor, a paixão é imensa e tão forte que atordoa qualquer um! Fazem dessa paixão uma dança que os enamora para a vida inteira. Uma emoção que não querem perder e da qual é difícil separarem-se... Por isso, voltam até não poderem mais... por hoje! Amanhã há mais!

Não andámos muito, mas foi o suficiente, para chegar a uma zona onde tínhamos mar de um lado e rio do outro, separados apenas com uma extensão de areia de poucos metros, sem árvores. Depois disso começávamos a ver casas... mas não são casinhas. Acho que posso dizer que são casas de luxo. Para já porque só se pode ir a pé ou de barco até lá, ou moto-quatro. E depois porque são casas pré-fabricadas em cima de estacas com alguns metros de altura. E são lindíssimas. Rodeadas de janelas, com alpendres espaçosos de madeira, telhados também de madeira, com vistas privilegiadas para mar e rio. São casas que, segundo consta, são apenas de férias e visitadas pelos donos apenas uma vez por ano! Que desperdício...
No caminho de volta tivemos a companhia de um cachorrinho que veio a correr na nossa direcção. Tem uma trela vermelha e vê-se que está bem estimado e tratado. É simpático e quer brincadeira, mas não queremos dar muita confiança para ele não vir connosco, com receio que se perca ou que lhe façam mal. Só podia pertencer a uma daquelas casas. Ainda lhe perguntei no caso de o adoptarmos se ele vinha com casa incluída, mas acho que não...

Já estávamos no quarto quando vieram limpar e fazer a cama. À nossa porta continuam grupos de pessoas. Agora já nem sei dizer quais os mais alcoolizados... Deambulam aos “ésses”, cumprimentam toda a gente com uma grande festa esbracejada, uns olhos semicerrados e um sorriso que leva o tempo todo a compor-se por causa da “gravidade”. Naaaa, é mesmo só demasiado álcool. Há uns que falam até pelos cotovelos dos poucos que estão calados. Nem se percebe porque falam changana. Alguns dos sons são só “hehh”, “hum!”, “hou”, “hihh”, “uah” ou “mon”. O resto da conversa é tão rápida como uma dactilógrafa doutorada! Mas aposto que o conteúdo da conversa é bem mais limitado.

Lembram-se do peixe de 3kg que comemos ao almoço?! O que sobrou foi o nosso jantar! Voltámos a levar o peixe para aquecerem, pedimos mais umas doses de batatas fritas e de salada, umas bebidas e desfrutamos duplamente deste belo peixinho. Tivemos foi de nos besuntar com repelente porque a mosquitada anda faminta. Para mim o pior não foram os mosquitos foi mesmo ter esfregado os olhos ainda com o protector no rosto... Os meus olhos choravam. Jorravam lágrimas de sofrimento impiedoso. Sentia o ardor que picava como se fossem agulhas a espetarem. Fechava os olhos para comprimir as dores mas parece que picava mais. Estive verdadeiramente aflita e tive de ir à wc lavar a cara por duas vezes até melhorar. Fiquei sempre com os olhos sensíveis e vermelhos, mas já os conseguia manter abertos.

Há um grupo, numa mesa ao nosso lado, que nos tem “feito companhia” nas refeições. Aliás, acho que eles estão sempre aqui porque os vemos de manhã, ao almoço e ao jantar. Quando chegamos já cá estão e quando vamos embora eles continuam. São uns 8 ou 10, com crianças e tudo. Mas estavam aqui só dois homens e chegou uma mulher. Foi quando um deles perguntou:
- Então e os outros? - Ao que ela respondeu:
- Hão de vir...
Que mania que têm de responder isto... Não responde a nada e ficam na mesma porque, quem pergunta, já sabe que os outros, eventualmente, hão de chegar! O que  me ri...

Depois do jantar fomos os quatro para um quarto só jogar às cartas, beber um copo de Amarula, comer um bolinho... De fundo ouvimos as ondas a tocar lindas melodias ao tocar na areia. A sério, isto é mesmo bom!

Já no quarto, acendi a TV porque é a única forma de termos luz no quarto e termos a possibilidade de a desligar sem ter de levantar para desligar o interruptor na parede. Mas, para nosso espanto, desta vez, a TV começou a apanhar canais e conseguimos, finalmente, ter TV no quarto! Melhor que isso, conseguimos ver um filme que eu queria ver há muito tempo, o “Rush”! Filme este que é verídico, sobre as disputas entre dois mediáticos pilotos de F1, Nikki Lauda e James Hunt.


Faz-me lembrar o meu pai e leva-me ao passado, à minha infância... de certa forma conforta-me... Esqueço-me de tudo o que está à minha volta e vivo aquelas corridas como se fossem agora, neste momento... Só eu e ele existimos!

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