Tuesday, October 28, 2014

Dia 68 - 13 Outubro - Back in Charge!

Chegar a casa ainda antes de almoço e sentir o cheiro de assar as cabeças da vaca não é coisa que recomende a pessoas de que gosto. Tirei fotografias mas nem as vou publicar por serem tão cruéis. Claro que isto tira a fome a qualquer um... menos a quem come aquilo, com certeza. Mas o cheiro é tão intenso e tão mau... Se estivesse adormecida nem precisava de café para acordar!
Apesar do cheiro, a que uma pessoa, eventualmente se habitua, fico algum tempo a observar como fazem aquilo. O porquê já se sabe, é para comer. Mas a forma como o fazem e o que ali à volta se passa...
Vou começar por descrever o espaço. Um espaço de garagens, cimentado, com muita poeira, areia, crateras no chão com terra seca e/ ou molhada. Um dos cantos é uma wc que não deve ter luz porque toda a gente lá entra com as lanternas dos telemóveis ligadas. O cheiro nem quero saber porque só de pensar me dá vómitos. Existe um fogareiro amolgado, com carvão e uma grelha em cima. Alguns dos "bancos" são pedregulhos que caíram de um dos muros. Digamos que a ASAE aqui cortava os pulsos!
Começam por preparar o recinto. Acendem o lume, trazem o alguidar com alguma água, uns tachos que só vejo nas cantinas da escola porque são tachos "de batalhão" e a cabeça da Mimosa. Uma das tábuas que, eventualmente, já foram de madeira, mas que estão para ali encostadas ao muro a apodrecer, é colocada no chão. Colocam a cabecinha (é favor, que aquilo é mesmo grande) decapitada da Mimosa em cima da grelha e vão buscar um machado. Daqueles que vemos na secção de jardinagem nas grandes superfícies. Depois de assar um pouco na grelha, deitar aquele cheiro pestilento que ecoa por toda a vizinhança e ficar preta irreconhecível de torriscada, atiram as ideias da "bxinha" carbonizada para a dita tábua. Aqui começa a cantoria... do machado! Começam à machadada com a cabeça, como se esta os tentasse violentar! Por cada machadada que leva espirra sangue como se de lágrimas em pranto se tratassem. Mas é mesmo dura porque não se corta numa machadada só, nem em duas. Parece que ainda está viva pela luta que dá!
Entretanto já o tacho "do batalhão" está com água ao lume. No alguidar lavam os bocados cortados antes de por no tacho. Depois do banho fresco para tonificar é altura do banho revigorante! Ficam os bocados todos cozidos no tacho durante algum tempo.

À volta deste cenário estão algumas pessoas sentadas simplesmente a assistir, umas a comer ou a beber algo, outras a descascar umas batatorras e as galinhas a passarinhar com a família completa. É, as galinhas, os galos e os pintainhos andam por ali a passarinhar o tempo todo e eu confesso que sou mesmo menina da cidade e não do campo...
Nas histórias que lemos ou vemos o campo tem relva fresca e fofinha. Na verdade, a relva que conheço dá comichão e está cheia de formigas, lagartas e outros bichos prováveis de nos entrar pelos ouvidos, pelas narinas e quaisquer entradas que encontrem.
Depois temos as quintas com as vedações e as casinhas dos animais em madeira, tudo pintadinho e bonitinho. Na verdade, as madeiras são cheias de puas que teimam em afiambrar a nossa pele, lascar as nossas unhas e pregos saídos que rasgam a roupa.
Existem vaquinhas, cavalinhos, porquinhos, galinhas a pôr ovos, "memés"... tudo muito bonitinho... Na verdade as vacas têm um "leque" miserável, a que chamam de rabo, a enxotar as milhentas moscas que por ali pairam. Mastigam mil e uma vezes a mesma relva que engolem e vomitam não sei quantas vezes para voltar a mastigar. E, de vez em quando, lambem-se com aquela "línguérrima" sem fim!
Os cavalos são lindos e românticos mas quando chegas perto deles assustas-te com o tamanhão! Ainda mais quando lhes queres dar de comer e vês aqueles dentes, cada um do tamanho do teu polegar. E depois ensinam-te a dar de comer de mão aberta senão mastigam-te a mão! Porque eles não vêm o que estão a abocanhar naquele ângulo. Quantos polegares já terão eles comido?!
Os "memés" das histórias são aqueles algodõezinhos doces flutuantes que nos ajudam a dormir. Na realidade são lãs despenteadas, cheias de nós enlameados.
Os porcos são chouricinhos embarrilados,  cor-de-rosa, com um rabinho de saca-rolhas e um focinho fofo, apetecível de mimos. Na verdade... bem, nem vale a pena comentar. E pensar que aproveitam tudo do porco para comer...
As galinhas das histórias vivem felizes a pôr ovos a toda a hora, a comer milho e bebicar água. Na verdade estas porcas, assim como as vizinhas das traseiras, "xafurdam" na terra como cães acabadinhos de sair do banho! E ainda cavam como cães!



Isto para não falar do mau cheiro que acompanha qualquer um destes animais lindos. É normal, mas cheiram mal... não usam desodorizante, nem perfume, nem cremes de rosto ou de corpo. Acho que é o primeiro choque negativo de qualquer criança quando vai ao Zoo pela primeira vez...

Pois ainda aprendi aqui outra coisa: as galinhas comem miolos de vacas! Depois de andarem a "empideiricar-se" na terra, andam de um lado para o outro, loucas pelo cheiro e de volta dos bocados da cabeça da Mimosa. Quando está tudo cozinhado é colocado o tacho no chão, com a tampa, que mal fecha por a cabeça ser tão grande. E as galinhas andam lá a bicar em toda a volta! A puxar para os pintainhos também comerem. Quais gripes das aves, qual quê!? Isto aqui vale tudo! Se o dente mastiga é bom para comer! Neste caso, se o bico apanha também serve! Os porcos têm fama de comer tudo e aqui as galinhas também!

Ai mundinho cor-de-rosa... que saudades! Volta para trás oh tempo!
Contem-me histórias!

1 comment:

  1. Filha, "pel'amor de Deus"...! Estou quase a vomitar com a crueza das tuas descrições dos cozinhados da Mimosa!!!! E da descodificação e frustração dos sonhos de criança...
    Magistral! Descrição espectacular! Parabéns!!! :P

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