Tuesday, March 31, 2015

Dia 202 - 24 Fevereiro - Passo a vida a fugir mas vem sempre ter comigo...



Comecei o dia da melhor forma: fui conhecer a Escolinha Solidária! Um projecto da Plataforma Makobo ainda bem fresquinho. O espaço é como imaginamos quando não vivemos cá. O caminho até lá é em terra batida, com buracos e pedras que temos de desviar. Por entre ruelas estreitas com trapos pendurados onde calha, com vendedeiras na berma sentadas ou, até deitadas, no chão, à espera de clientes. O lixo acumula-se onde o vento o deixa até formarem pilhas. As "casas" são de cimento, com blocos de cimento. Parecem feitas de peças de Lego por terem as paredes levantadas e pouco mais. Não são pintadas, o chão é de cimento também em bruto e o tecto é de zinco apoiado em estreitas traves de madeira, munidas de puas. As janelas têm vidros partidos e a sua estrutura é antiga ou mal tratada. Algumas chegam a ter parte da estrutura já fora de sítio tornando-se num perigo para a roupa ou pior... E a nossa escolinha é numa casa destas, a diferença é que, por fora, está pintada de verde. Por dentro é que as paredes estão em bruto.

Já lá estavam algumas cadeiras de plástico dos últimos dias de aulas. Estavam algumas secretárias antigas e um quadro branco. Os meninos e meninas trazem cadernos, outros distribuímos nós. Vêm das redondezas e são de todas as idades. Têm uma escola que frequentam mas, onde, infelizmente, não têm condições para aprender quase nada. Muitas das salas de aula têm cerca de 80 alunos... conseguem imaginar?! Começámos com mais de 30 alunos e foram chegando mais. Tivemos de fazer alguns despistes para ver quem estaria mais à frente ou mais atrás nos conhecimentos. Então, colocámos os meninos que resolveram o primeiro exercício lá fora. Sim, lá fora. Está bom tempo, não faz diferença. Levaram as respectivas cadeiras e foram com uma de nós ter uma aula diferente. Os restantes ficaram na primeira sala até despistarmos os com maiores dificuldades. Claro que também são os mais novinhos. Estes vieram comigo para uma outra sala com duas mesas grandes.

A maior dificuldade?! Não sabem as letras do alfabeto. Sem quadro nem bonecos, peguei numa cópia que levámos com o alfabeto e comecei a minha aula. Passo a vida a fugir desta coisa de dar aulas, de ser professora... toda a minha vida vivi nesse meio e não queria ir lá parar... mas não há volta a dar! E não é que tenho jeito?! Sabem aqueles documentários que vemos na televisão com os miúdos aos gritos a dizer o alfabeto?! Só tenho a dizer isto: tal e qual! Repeti com eles, várias vezes, o alfabeto. Fizemos as letras, uma a uma, a maiúscula e a minúscula. De vez em quando introduzia uma palavra começada por essa letra. No "B", por exemplo, perguntei uma fruta começada por "B". «Banana» gritaram uns. «Muito bem!». No "L" perguntei por um animal e rugi, fingindo ter garras «Leão!». Estavam entusiasmados e eu também!

No início tinham medo de fazer, de dizer, tinham vergonha de mostrar, alguns riam-se de outros... Nesta minha sala vi o caderno de cada um, elogiei sempre que faziam bem, corrigia se estivesse mal e puxei por eles de forma a mostrarem-me as letras que iam fazendo. Fiz com que erguessem os cadernos bem alto e que tivessem orgulho no que eles escreveram. «O que está escrito nesse caderno foi feito por vocês, é vosso! Tenham orgulho no vosso trabalho! Tenham orgulho no que vocês fazem!». E voltámos às letras. De vez em quando faziam mais barulho e eu chamava a atenção. Cheguei a fazer "ssshhhhhhhh" e a falar mais baixo. Rapidamente se apercebiam e ficavam em silêncio. Alguns brincavam - já estávamos há demasiado tempo também - outros "cutucavam" os do lado ou até saiam da sala. E eu disse: «Ninguém está aqui obrigado. Se quiserem podem sair. Mas se vieram para aqui é porque queriam aprender. Portanto, quem está aqui para aprender?!» E todos levantaram o braço bem esticadinho. «Então vamos aprender!»

Para mim foi, de tal forma divertido, que o tempo passou a correr! Foi quando fomos tirar as fotografias de grupo e umas miúdas, das mais crescidas, que estavam ao meu lado, estavam a rir-se e a olhar para mim. Vi que, timidamente, juntavam o braço delas ao meu.
- Sou muito clara, não sou? - Disse eu a sorrir
Era um sorriso tímido, o delas, mas muito curioso. Juntámos as mãos e, mesmo as palmas, faziam diferença, ainda mais ao sol. Deixei-as tocar na minha mão e no meu braço como se eu fosse um bicho estranho... e sou! Em toda a vida delas, não devem ter visto "caras pálidas" muitas vezes nem tão perto. Eu não me importo de ser um "bicho estranho" para estas mentes curiosas.

Rapidamente ficámos só nós, os voluntários, os professores. Fizemos o levantamento do que poderia fazer falta. Demos sugestões, ideias... temos de avançar com alguma cautela pois tudo é novo para nós. Há pormenores a que não damos muita importância e que podem fazer diferença. Por isso, vamos em frente, sem medo, mas com cuidado. Vamos tentar educar também no sentido ambiental. Sabemos que muitas destas crianças não comeram nada e pouco falta para a hora de almoço. Por isso, a sua atenção é reduzida, por isso, a aprendizagem não se pode aplicar a 100%... Mas sabemos que fazemos diferença aqui, sabemos que a nossa presença é bem-vinda e apreciada, sabemos que estas crianças vão passar a semana, ansiosas, pelo dia de aulas... porque, ao contrário de muitas que têm tudo de mão-beijada, estas crianças querem aprender!

Cheguei a casa perto da hora de almoço e estava pedrada de sono. Dormi a sesta, coisa que é muito raro em mim. Não gosto. Depois sinto-me sempre meia atordoada. Apaguei por duas horas e não me parece que tenha trocado de posição. Foi como que um "como está fica, licença". Mais tarde, quando o JG chegou a casa fomos ver o filme "Taken". E depois do jantar vimos o "Taken 2".


São filmes que até são bons mas que têm algumas imperfeições tão básicas que acabam por se tornar ridículos... Por exemplo: um carro em perseguição que bate noutros carros de frente, de lado, é amolgado e, mesmo assim, continua sem vidros partidos, sem amolgadelas, faróis intactos, parece um carro novinho. O facto de ele nunca (ou raramente) levar um tiro quando anda só com uma pistola e os outros disparam metralhadoras na direcção certa. Mas o tipo sabe encolher-se bem... enfim... A história é boa.

1 comment:

  1. Essa escolinha deu-me vontade de estar aí também... Mas sei que fazes um bom trabalho!

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