Friday, July 11, 2014

Dia 11: 4 Julho 2014 - Somos Humanos

Hoje eu deveria já estar a sonhar com o fim-de-semana mas aqui a maior parte das pessoas trabalha aos sábados de manhã... e, por enquanto, não sou excepção... por enquanto...
Tenho de comprar um portátil para mim, ando sempre com um bloco e uma caneta em riste e, mesmo assim, não escrevo tudo o que a minha mente regista e esse restante acabo por esquecer... Não me estou a importar nada de fazer estes reports, aliás, adoraria viajar pelo mundo fora a relatar todas as aventuras e descrever todas as minhas observações... mas para isso preciso de alguns milhões... viagens, alimentação, estadias, todas e quaisquer deslocações, viver sem ordenado fixo ao final do mês... sonha aí...

Há coisas que me fazem muita confusão aqui: a forma como muitas pessoas (não só portugueses) falam com muitos moçambicanos.
Parece que qualquer que seja a frase, a intenção, todas as palavras têm ira e raiva, parece que qualquer coisa é um bruto raspanete! Vê-se que muitas das pessoas que falam assim, têm poder (seja dinheiro ou influência) e que as pessoas que ouvem não têm nada disso e estão ali porque precisam. Bem sei que assim descrito é a lei normal da vida... mas começo a compreender certas coisas. Ouvia muitas histórias de pessoas que simplesmente deixavam de aparecer no trabalho sem dar qualquer justificação... não digo que sejam todas, mas muitas acredito que fosse por não estarem para aturar merdas destas!

Acredito que as pessoas devem ser bem tratadas, não é preciso a mais nem a menos, sei que muitas se aproveitam disso, mas até aqui, tenho tratado todas as pessoas com respeito e não tenho quaisquer razões de queixa. Há certos aspectos culturais que estão de tal forma enraizados que são mais complicados mas também acho que quem quis vir para cá fui eu e eu tenho de me adaptar às mudanças daqui, não ao contrário!

Muitas das coisas que fazem já parte daqui é o facto de se fazerem às moedinhas. Convém ter sempre trocado para tudo senão dizem que não têm troco suficiente. Deixas o carro cheio de pó estacionado e, quando chegas, tens os limpa-para-brisas para cima, sinal de que te lavaram o carro. E vocês perguntam, mas como sabes quem to lavou?! Só o lavam se já te conhecem e depois põem-se a jeito... Pagas algo com uma nota superior, mesmo num serviço publico, e “esquecem-se” de te dar troco. Há dias um vizinho fez obras em casa e a senhoria comprou-lhe o verniz. Ao final do dia a senhoria veio perguntar se nos importávamos que se usasse o que sobrou do verniz para o varão das escadas, que é de madeira.
- Sim, claro, se sobra.
- 150mt, senhora.
- 150mt?!
- Sim, o verniz é meu!
- Só aceito se for por 100mt.
Depois de pintado veio buscar o “refresco”... acho que numa próxima eu diria que não queria verniz.
Depois há os “cinzentinhos” que são os polícias de trânsito que, de vez em quando estão a mandar parar os carros, ou mesmo, a inquirir pessoas a pé na rua, para recolherem refrescos... Ainda não os apanhei mas pelo que dizem arranjam qualquer desculpa esfarrapada para multar, mas se pagares “refresco” tão sempre prontos a deixar passar...
É daquelas coisas que toda a gente sabe, toda a gente comenta, mas ninguém admite! É como falar em política. Nunca se sabe mas aqui, mais do que outros sítios do mundo, as paredes têm ouvidos, olhos e até boca de lado...
Mas lá está, são culturas diferentes!

Quanto aos raspanetes... acho que são uma falta de respeito para com as pessoas que ouvem, as que estão por ali perto que assistem e não dizem nada por se sentirem impotentes... sim, senti-me! Senti-me mal por não poder tomar uma atitude. Sinto que não estou num país livre, de livre expressão.
Só para terem uma ideia... chega-se ao ponto da conversa ser assim:
- Estão a ver como eles são?! Que incompetentes! Burros pah! Estou farta de lhes dizer como devem fazer as coisas... é sempre a mesma coisa... Sai daqui! Sai! - quando “eles” estão mesmo ali ao lado a levarem o sermão...

Bem sei que temos de dizer timtim por timtim as tarefas a fazer, mas não nos podemos esquecer que estamos num país onde as crianças que frequentam as escolas vão para edifícios em ruínas. E estas são as que podem ir à escola. Onde o ordenado mínimo é de quase 4000 mt, ou seja, 95 euros arredondados... Onde muitos são considerados parasitas no seu próprio país somente por serem pobres! Onde a esperança média de vida é de 40 e poucos anos... Onde as condições... sejam elas quais forem, se não tiverem dinheiro, não existem! Onde a alimentação de muitos se resume a uma refeição por dia e não é pelo ramadão!

Aqui escrevo muitas coisas estranhas para mim, caricatas muitas das vezes, mas temos de ver as potencialidades de uma sociedade que tem sido escravisada pelas potências que aqui chegam e se consideram “donas” do mercado! Até para nós é caro alugar uma casa. Qualquer casa a cair de podre se aluga, à vontade por 20 000 mt/ mês (500€), qualquer casa com o mínimo de condições se aluga por 40/50 mil mt/ mês (1200€) ou mais! Já vi iogurtes por 500 mt (12€). Viagens para o norte de Moçambique pelo mesmo preço das viagens para Portugal!
Bem sei que não posso mudar o mundo, mas tenho direito à minha opinião e posso mostrar que há outras formas de se tratar as pessoas. Formas humanas! Formas decentes e respeitosas até de mostrarmos o nosso desagrado com alguma tarefa mal feita!

Gostava que alguma dessas “potências”, entenda-se “pessoa com dinheiro a potes”, se juntasse a mim e ajudasse a mudar algumas vidas, a ajudar algumas pessoas e, quem sabe, alterar mentalidades! Talvez esteja a pensar de forma imatura... mas se não arriscar então para que serve aprender um pouco mais todos os dias?!

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